quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um olhar que guarda interrogações


Por Nei Cirqueira



        O fim de um processo geralmente surge imbuído de confusas sensações. Parece ser difícil dimensionar conquistas e frustrações, anseios e vazios. Olhar pra trás, rever os passos dados e começar a perceber momentos que poderiam ter sido diferentes. Perceber as situações em que o fôlego faltou, em que o suor respingou e manchou a roupa, molhou o chão. Encarar as dificuldades para se chegar a uma cena que motivasse e agradasse a todos. Mas o que me agrada nem sempre interessa o meu parceiro. Encontros e desencontros que fazem nascer inúmeras questões: Como desenvolver um jogo de motivação para a criação? Como despertar o meu olhar para a cidade? E como fazer o meu olhar guardar algo para você? Como perceber poesia na correria frenética que faz a cidade nascer todos os dias? Será que há o que se ver? Será que é possível se ver na cidade? Será que existe o desejo de nascer com a cidade? E esse vazio que insiste em me paralisar? Será que é fruto da arquitetura moderna de Brasília? Como aproximar uma cidade do centro-oeste de outra do nordeste por meio de imagens? O que será que eles quiseram dizer com essas 03 fotos? Como ela me afeta? O que eu quero dizer com essa coletânea de ações? Como vou ressignificar toda a poluição visual que me chamou atenção em uma foto que mostra o caos urbano em uma praça do centro de Recife? É mesmo possível ter tantas diferenças entre as pessoas de lá e as daqui? Será que devemos experimentar um rodízio entre as funções no modo de criação que adotamos: o processo colaborativo? Devo mesmo ocupar o lugar da direção sendo eu um ator? Mas se este projeto estimula a investigação de linguagem, por que não nos lançarmos no risco de ser um ator que ocupa o papel de diretor? Por que não ser um ator EXPERinvestigando o papel de dramaturgo? Mas, espera aí: quais são as funções desses papéis? Alguém pode me dizer como criar nesses papéis? “Gente, vocês perceberam que a metodologia está diferente em comparação com o processo dirigido pelo diretor ‘oficial’ do grupo? Estão se sentindo livres para criar?” E agora, como criar a partir do trabalho dos atores? E como usar o meu olhar sobre essas criações e gerar provocações para o dramaturgo que dias atrás estava respondendo pela direção da cena anterior? O que fazer com posturas que vejo nos atores e que estão me incomodando agora que estou no papel de diretor? Ih... então foi pra isso que assumi esse papel? Pra ver o que tenho que mudar no meu comportamento enquanto ator? E na função de dramaturgo? Nossa, é tão divertido assim mesmo? E essa vontade louca de contextualizar ações que a princípio se mostram tão fora de contexto? Ei, ator que está sendo dramaturgo na experimentação nº 03, viu como é importante registrar o que os atores e o novo diretor criaram? E então, já está afetado para criar o texto? Meu Deus, o que fazer com tantas ações? E esse sentimento de estar completamente ocupado pelas ações geradas a partir de 03 fotos que tanto me perturbam? Ué, e aquele vazio que você estava sentido? Como escrever uma dramaturgia na qual caibam tantas ações e sensações? É impressão ou aquele vazio cedeu lugar a inúmeras borboletas no estômago na hora de apresentar para o grupo a primeira proposta de texto? Como é possível fazer/experimentar tudo isso no meio de tantas outras demandas da vida de cada um de nós? Como não ser permissivo com o companheiro? Como não ser permissivo comigo mesmo? É só uma sensação ou, de fato, estamos empacados? Por que falar é fácil e fazer é tão complicado? Temos mesmo que parar a criação para discutir gestão? O que fazer com a dor dos problemas pessoais que estão abalando as estruturas do coletivo? Que sensação é essa de que estou esquecendo de algo? Não era para eu postar no blog as próximas fotos? Putz, onde eu estava com a cabeça? Não seria na organização dos pagamentos para os integrantes do grupo? Você viu que uma das atrizes está sem dinheiro para o ônibus? Não seria possível fazer dois pagamentos no mesmo mês? O que o grupo acha? Será que vai dar tempo de todos se posicionarem ainda dentro do mês? Fazer essa consulta não vai desviar nosso foco da criação? Quem ficou responsável por sistematizar a discussão do caso de gestão nº 2? Vocês podem esperar um momento para eu poder olhar nas minhas anotações? Caramba, como não vi a anotação de trazer uma música de baile para experimentar na cena que estou dirigindo? Pôxa, porque tenho que misturar tantas atividades? Por que isso? Pra quê aquilo? Por quê? Pra quê? ... ??? ....???? ..... ????? ...... ?????
E no meio de tantas indagações fica a sensação de que as imagens e experiências trocadas abriram portas que precisam ser adentradas. Portas que se abrem para que possamos nos rever, nos remexer, nos reconhecer, nos desafiar, nos desembaraçar... Portas que se abrem para desvelar o que nossos próprios olhares guardaram de nós mesmos.

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