sexta-feira, 4 de março de 2011

Janela de Gestão - resposta do Concreto para o Caso nº 1 - Grupo Magiluth


Caso nº 1- Grupo Magiluth: Como integrar as necessidades estéticas do grupo, as necessidades específicas de editais, leis de incentivo e patrocinadores diretos, além de manter o diálogo artístico com a cidade em que estamos inseridos?

Muitos olhares para a mesma janela
Essa questão suscitou discussões calorosas em nosso coletivo sobre várias facetas: desde as formas de sustentabilidade, estratégias com empresas e a função e definição da arte. Abaixo, elencamos algumas dessas reflexões e reverberações que até ampliam a questão em si. Nesse sentido, discutir um case para vocês nos faz olhar para nosso grupo.

Janelas da alma: ser ou não ser? Eis a primeira questão.
Antes de discutir sobre sustentabilidade e editais, ou qualquer outra forma de patrocínio, um ponto que achamos essencial é pensar na identidade do nosso grupo: quem somos? Onde queremos chegar? Que arte queremos fazer? Qual a nossa missão? Que relação queremos estabelecer entre os integrantes do grupo? Que relação queremos estabelecer com os profissionais e outros artistas da cidade? Que relação ou diálogo queremos estabelecer com  a cidade? Qual a nossa causa? Qual a nossa visão de futuro? Enfim, que grupo somos?

A clareza dessa definição do grupo que queremos ser e da arte que queremos fazer será a base para discutir se há essa integração com editais, leis e patrocinadores diretos. Essa definição irá pautar a decisão sobre as formas de sustentabilidade, que recursos buscar, que editais concorrer, que relação o grupo terá com os recursos e as variadas fontes de renda e sustentabilidade junto a qualquer parceiro, seja da 1º (governo), do 2º setor (iniciativa privada) ou do 3º setor (sociedade civil organizada).

Vendo a cidade pela janela: manter um diálogo artístico com a cidade é uma necessidade artística do grupo?
Nesta definição o grupo deve se perguntar se esse diálogo artístico com a cidade é uma necessidade artística. Podemos dividir esse diálogo em duas dimensões: 

 ·         uma dimensão que é inerente a estar em uma cidade, o que nos impõe um diálogo que acontece pelo simples fato de habitarmos esse espaço, ele nos informa e nos impacta, dialogar com a cidade é condição  sine qua nom.

·         uma dimensão que vai além desse diálogo natural que ocorre, um diálogo artístico intencional com a cidade.

Em relação a esse diálogo mais intencional com a cidade, entendemos que desejar isso já é uma necessidade estética do grupo, ou seja, inerente a sua poética. Agora, as formas que esse diálogo pode tomar são muitas:  a cidade pode ser lida como tema; o grupo pode propor ações de trocas e compartilhamento, ações em escolas, publicações, ações de formação, ações com outros coletivos teatrais e etc

No Teatro do Concreto esse nosso diálogo é intencional e provocado por nós mesmos em nossas criações. No Diário do Maldito, por exemplo, fizemos várias experimentações em vários  espaços da cidade que nos informavam o lado marginal da cidade que tinha a ver com o Plínio. No Ruas Abertas, o processo foi diretamente relacionado a esse diálogo mais espacial com  a cidade pelas suas veias: as ruas. No Entrepartidas habitamos a cidade com um espetáculo que é feito num ônibus e em vários pontos da cidade. Esse diálogo artístico já carrega em si um diálogo político também com nossa cidade des-planejada.

Outro diálogo interessante é o diálogo político propriamente dito: mobilizações e ações com outros coletivos de teatro, outros artistas e a comunidade como o Concreto Aberto (palestras com profissionais de diversas áreas para discutir os temas que tenham a ver com nossa produção artística), Concreto nas Escolas (diálogo com os estudantes de arte nas escolas públicas), Fórum de Teatro de Grupo do DF (que promovemos em parceria com outros coletivos),  Centro de Referência e Memória do Teatro Candango (um projeto que estamos implementando aos poucos em nossa sede), e a própria sede do nosso grupo. E outras ações menores como palestras, reuniões e etc.

Então, o grupo deve se perguntar que diálogo quer fazer e pensar as estratégias e meios para estreitar esse diálogo se assim o quiser.

As janelas podem nos limitar ou nos permitir ver outros horizontes: O que seria uma integração entre as necessidades estéticas de um grupo e as necessidades específicas de editais, leis de incentivo e patrocinadores diretos? 

Tudo interage e impacta diretamente em uma criação:
Em primeiro lugar pensamos que todo processo artístico está inserido numa rede de "estímulos e limitações" que interfere na criação, desde o espaço onde o trabalho está sendo desenvolvido, os recursos existentes, o clima, a cultura local...tudo isso atravessa um processo artístico, afinal, a arte age no mundo e vice versa. Pensando assim, prazos estipulados, recursos disponíveis, natureza das contrapartidas, itens presentes num edital, sempre irão, de alguma forma, impactar a arte gerada nessas condições. 

Quanto aos editais e o nosso desejo artístico: E se não quisermos construir uma janela aqui?
Na esfera mais específica de reflexão que vocês estão propondo, entendemos que primeiramente, o grupo deve ter como princípio ao inscrever trabalhos em editais e nas captações diretas de recursos a preservação de seus valores éticos e estéticos (sua identidade como falamos acima). Geralmente, os editais públicos apresentam diretrizes, critérios, prazos, procedimentos e categorias, como a manutenção de grupo, montagem de espetáculo, circulação, contrapartidas sociais, formas de prestação de contas, etc. De uma forma ou de outra, há uma interferência direta na estética do trabalho. Isso é tão complexo que há muitas críticas e reflexões sobre a interferência dos editais e das leis de incentivo na produção cultural de toda uma sociedade. Por outro lado, cada vez mais encontramos editais que prezam pela autonomia, diversidade, sustentabilidade dos grupos, na pesquisa desenvolvida,  no ineditismo da obra e na circulação. Portanto, cabe ao grupo, a partir dos seus interesses estéticos, dialogar com o foco dos editais (objetivos, planejamento, capacidade de realização, etc) e fazer inscrições mais direcionadas ao tipo de trabalho desenvolvido.

Aqui no Concreto, por exemplo, tínhamos criado uma série de intervenções cênicas para espaços urbanos, quando apareceu o edital da Funarte para Artes Cênicas nas Ruas, aproveitamos o incentivo para seguir com um trabalho que o grupo já estava desenvolvendo. Já no prêmio Interações Estéticas, também da Funarte, na primeira edição não tínhamos um trabalho prévio convergente com o edital, porém, era convergente com o nosso desejo de ampliar o diálogo com outros grupos do DF em torno do processo colaborativo de criação. A partir dessa reflexão criamos um projeto de oficinas de processo colaborativo e diálogo com outros 04 grupos do DF e o mote de criação usado na oficina era o tema "Amor e Abandono", tema esse que era o foco da pesquisa do Concreto que estava em curso. Assim, a um só tempo conseguimos dialogar com a cidade, com outros grupos e ainda ter outras visões para o tema que estávamos pesquisando na sala de ensaios.  Integramos esse impacto direto com nosso desejo artístico.

Com relação aos editais, é importante então cada grupo ter uma comissão ou pessoas responsáveis por estar atento a eles e a suas propostas. O outro cuidado é buscar convergência entre os editais, senão o grupo pode ficar com uma agenda muito complicada de necessidades ditadas pelos editais e acaba não tendo fôlego para existir. Aprendemos isso a duras penas!

Os patrocinadores diretos: eles querem colocar uma logomarca na frente da nossa janela?
Em relação a patrocinadores diretos, o grupo deve buscar “ganchos” entre o seu projeto e o perfil da empresa. Segundo Rômulo Avelar, em seu livro “O Avesso da Cena”, o termo gancho significa um atributo que associa indiscutivelmente um ação a uma empresa ou a um tipo de produto, favorecendo a percepção, pelo publico, do vínculo estabelecido com o patrocínio”. O grupo deve apresentar suas propostas estéticas e características específicas do trabalho sensibilizando a ampliação do olhar da empresa para novas formas teatrais e buscando que a empresa perceba que as propostas experimentais também possibilitam atingir um público diverso e diferenciado, se for o caso. Em um contato com a empresa, é importante afirmar que não é um pedido de patrocínio, mas o estabelecimento de uma parceria; e que nessa parceria existem moedas de troca, como a inserção da logomarca da empresa nas mídias, material gráfico do projeto, peças promocionais etc, buscando minimizar (ou se possível até eliminar) as interferências estéticas divergentes com a identidade do grupo. Se é necessário adequar, o grupo deve responder antes até onde ele irá e se isso não o descaracteriza. Numa condição ideal (talvez utópica, pelo contexto que vivemos), o bom seria que essas interferências não existissem. Nesse sentido, e guardadas as devidas proporções, esse diálogo pode ser muito rico tanto para a empresa, quanto para o grupo quanto para a cidade que se beneficiará com as produções advindas das parcerias.

Sobre a natureza dos “ganchos”: queremos dizer em qual janela sua logomarca vai ficar!
A inserção de uma simples logomarca numa peça de divulgação da peça, num programa ou num livro  já é uma interferência estética. Por exemplo: uma logomarca da OI diz uma coisa bem forte que está ligada à arte digital, comunicação e simplicidade em comunicar com as pessoas. A da Petrobrás informa outra coisa, uma empresa brasileira que tem pesquisa tecnológica na área de energia. Se for um CCBB, o recado é outro por estar ligado a um banco. E isso diz de um grupo! Quando vejo que um grupo tem logomarca da Petrobrás, isso me faz olhar diferente (nossa, ele conseguiu patrocínio da Petrobrás! É quase um selo de qualidade! Ou não para outra pessoa que poderia pensar: esses artistas ainda ganham dinheiro público para fazer essa arte?) Esses ganchos acima criados para seduzir a empresa também são interferências estéticas, são produtos artísticos, ações do grupo, então, são novas ações (estéticas?). Só não haveria interferência direta (se tal coisa for possível) se já casar “como uma luva” na identidade do grupo e no que ele se propõe a fazer.

Suas janelas me sufocam! Quero passar pela porta.
Existe uma forma diferente de dialogarmos com a economia vigente? Existe uma economia da arte? O que o seu grupo pode fazer sem perder sua identidade?

Nas questões que levantamos acima, está presente uma estrutura de pensamento mais corrente no universo da produção cultural. Porém, achamos importante que nós, grupos, procuremos conhecer outras linhas de discussão mais recentes que têm pensado algo como "economia da arte" e que não entendem essas parcerias como uma simples moeda de troca, ao contrário, estão discutindo qual a natureza da contrapartida, em se tratando de arte; como a arte, que tem processos muito específicos pode dialogar com a economia capitalista (já que é impossível se despir dela); além disso, existem já algumas experiências de outras formas de organização da produção cultural, a exemplo do movimento Fora do Eixo que tem impactado as bandas independentes e também o Cubo Card, que se tornou uma moeda complementar à nossa moeda oficial e ajuda a movimentar de uma outra forma os agentes do meio cultural. 

Realmente é um desafio conseguir recursos e apoios, mantendo o diálogo com a cidade e o desenvolvimento de pesquisa e produção estética próprias. Porém, suponhamos que, por conta de uma crise fulminante, a maior parte das formas de financiamento e leis de incentivo acabassem e que os patrocinadores diretos com receio dessa mudança, buscassem uma postura mais cautelosa e retirassem os apoios.  Isso significaria deixar de fazer teatro? Deixar de lado a pesquisa e a criação? Na verdade, a questão é não se manter refém de editais e empresas. Isso é possível?

Deve-se pensar que os trabalhos realizados e espetáculos criados não se destinam para atender, simplesmente, editais. O foco, se o grupo assim entender, poderia ser encontrar formas de sustentabilidade do grupo e, conseqüentemente, dos seus valores estéticos. Há grupos que criam núcleos e possibilidades de trabalho para reverter essa situação. Um exemplo dado no “Avesso da Cena” é o case do Grupontapé. O grupo de Uberlândia trabalha com teatro empresarial e tem nessa atividade, uma maneira de financiar outros trabalhos artísticos do grupo. 

Em um evento de São Paulo tivemos contato com um grupo do sul que eles vivem de teatro e suas peças têm um preço, isso é inegociável, assim eles conseguem ter uma renda para manter uma rotina de ensaios. Outro grupo que conhecemos também em São Paulo, cobra cachês de acordo com o cliente, em escolas públicas e na comunidade faz de graça, e se o cliente for uma grande empresa, o cachê é mais gordo. Além das trocas com a própria comunidade onde a sede deles está.

 Há diversas possibilidades e muitos exemplos interessantes de sustentabilidade. Uns que buscam e criam produtos que ajudam na sua sustentabilidade e outros onde sua própria produção artística já permite a sua subsistência. Quais seriam as nossas outras estratégias de sustentabilidade? É possível um grupo de teatro ser sustentável? Esses ‘ganchos’ são possíveis no seu grupo? Casam com sua identidade?

Uma janela para várias janelas
Discutir o relato de vocês dessa 1ª janela de gestão, mais que gerar respostas em nós, acordou velhas questões e fez nascer tantas outras que queremos compartilhar:

 Todo edital interfere e direciona a estética do grupo?
Como é não se tornar refém de editais e patrocinadores?
Como se manter fiel à sua necessidade estética?
O que é sustentabilidade?
Existe alguma possibilidade de sustentabilidade fora do sistema capitalista?
Existe alguma possibilidade de sustentabilidade para grupos de arte no sistema capitalista? Em nossa economia?
Quando foi que na História da Arte, artistas não fizeram concessões?
O que é uma concessão?
Que concessões o grupo se permite fazer hoje?
Quando foi que na História da Arte os artistas fizeram concessões? E em que contexto?
É possível fazer arte sem concessões?
Quanto custa/o que custa ao artista fazer uma concessão?
Que concessão seu grupo nunca faria?
Os outros meios fazem concessões? Outras profissões, outros meios de produção?
A concessão deve, ou pode, viabilizar uma sustentabilidade?
Qual a relação entre sustentabilidade e a identidade (necessidades estéticas) do grupo?
Estamos abertos ao diálogo com as empresas?  O que esse diálogo pressupõe?
É possível fazer arte no Brasil sem subvenção do estado?
É possível fazer arte no Brasil sem subvenção do poder privado?
É possível a arte ser mais autônoma em sua produção nessa economia em que estamos inseridos?
O que é economia? O que é arte? O que é teatro? Existe uma economia da arte? Existe uma economia do teatro? Quais os diálogos necessários entre economia e arte para que as concessões não descaracterizem o que seu grupo entende como arte?
Só é arte quando tem público?  O que é público? Vamos definir o que é o público?  É quantidade? É o quê? É formação de platéia? É formação de consumidores da arte?
Quando falamos em público, até que o público impõe uma questão estética divergente com a identidade do grupo?
Os editais de manutenção de grupo que temos hoje, de fato suprem as necessidades de um coletivo estável e que busca continuidade?
A arte que estamos fazendo faz sentido para o público de hoje?
O que é fazer sentido?
A arte que estamos fazendo deve fazer sentido para o público de hoje?

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