domingo, 1 de maio de 2011

Vôo JJ 3882 ou Do que é feito um processo de criação?


Devo estar há muitos mil pés de altura, não sei dizer quantos. A caminho de Fortaleza para participar de um seminário sobre teatro. São mais de 23h. Ao meu lado cinco mulheres animadas, bem humoradas, amigas e cúmplices... Quase todas são funcionárias públicas, muito felizes nas suas férias e desconstruindo os possíveis estereótipos de um funcionário público de Brasília. Aliás, nunca imaginei rir tanto numa viagem.
A mais humorada delas – possuidora de todos os atributos de uma comediante – ao me ver escrevendo pergunta se sou jornalista. Digo que sou diretor de teatro. Ela comenta sempre ouvir dizerem que “ela leva jeito pra isso”. Eu concordo e pergunto se já fez teatro. A resposta foi simples e provocou um terremoto em mim, mais ou menos assim:
“Tem coisas na vida que se deve ter muita cautela para experimentar, vai que gosta! Eu preferi não experimentar, casei, tenho 3 filhos, trabalho, estudo e sou dona de casa. Meu filho de 12 anos gosta de teatro e eu dou a maior força pra ele começar, quero assistir tudo o que ele fizer”.
Confesso que essa resposta me fez – sim -  pensar em: décimo terceiro, repouso remunerado, plano de saúde, férias remuneradas, rotina, horário, estabilidade, aposentadoria, feriados, etc, etc.
Confesso que pensei: quando foi que eu escolhi o teatro? Não tive cautela ao experimentar? Esse negócio vicia, como droga ou religião.
No momento seguinte volto ao meu tema inicial: do que é feito um processo de criação? Talvez seja de um conjunto sucessivo de escolhas! Você experimenta algo e - “vai que gosta” – e aquilo fica. O que regula esse “gostar” em cada processo? O que de fato pesa na hora de escolher? Quando não nos abrimos a experimentar, nos privamos de um risco, de uma descoberta?
A passageira da poltrona 14C preferiu não experimentar. O que não descobriu? O que deixou de viver? O que eu não viverei tendo feito a minha escolha? Quando é que eu recuso o risco, tendo escolhido caminho já tão arriscado?
Então seria isso: um processo de criação é um caminho que se desenha a cada SIM e a cada NÃO?
Olhando para o lado, outra pergunta me interrompe: como conseguir manter certa dose de prazer e envolvimento na(s) escolha(s) realizadas? Quantas vezes na sala de ensaio sou aquele que diz Não? As vezes se cansa do risco de experimentar ou ele já virou hábito comum que já não gera prazer? (meu Deus, como essa mulher é alegre!).
Lembro-me de uma frase da Tiche Vianna “o quanto sou capaz de produzir surpresa pra mim e para os outros”, passageiros do processo?
Escala em Teresina. Hora de abastecer o avião. Que droga, não consigo dormir!
Voltando aos estereótipos (indo pelo senso comum mesmo), fico pensando quantas vezes sou “dona de casa” e “funcionário público” na sala de ensaio ou quantas vezes Ela (aquela passageira) é “artista” com a sua família ou lidando com as burocracias da esplanada dos ministérios?
Bem, chega de turbulências mentais. O fato é que essas cinco mulheres atropelaram a minha rotina, subverteram aquele habitual “ar” meio “blasê” dos passageiros, compartilharam afeto e criaram encontro. Talvez seja um pouco disso, aquilo que buscamos nos nossos processos, no nosso teatro!
PS1: Meninas, obrigado pelo encontro e boas férias!
PS2: Em caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente!
PS3: A Ana V., ao ver a cidade do alto: “Eh coisa linda, parece uma árvore de natal!”.

 Por Francis Wilker, em 29 de abril.

Um comentário:

  1. Oi Amigo Francis,

    Adorei o post, somos realmente muito amigas e como você mesmo escreveu, a vida é feita de escolha e nada é tão diferente dos costumes e habitos que escolhemos.
    Parabéns.. continue escrevendo.
    Nosso contato é: amigasdebrasilia@gmail.com
    Nos avisa quando for seu proximo trabalho. Iremos lhe prestigiar...
    bjs.
    su. ( uma das cinco amigas)

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